A medida provisória publicada pelo governo na noite de domingo (22) altera regras trabalhistas referentes a direitos como férias e FGTS e mexe em pontos como saúde e segurança do trabalho e fiscalização de auditores do trabalho. Essas medidas, segundo a MP, são para enfrentar o estado de calamidade pública em decorrência do novo coronavírus, que já deixou 34 mortos no país.
Como se trata de uma medida provisória, o texto passa a valer imediatamente, mas ainda precisa ser aprovado pelo Congresso Nacional no prazo de até 120 dias para não perder a validade. O governo federal defende a proposta como forma de evitar demissões em massa.
A MP estabelece, durante o estado de calamidade pública, medidas para trabalhadores com CLT, incluindo temporários, trabalhador rural e domésticos. Veja as principais:
acordos individuais entre patrões e empregados estarão acima das leis trabalhistas ao longo do período de validade da MP para "garantir a permanência do vínculo empregatício", desde que não seja descumprida a Constituição;
teletrabalho (home office) sem necessidade de alteração no contrato individual de trabalho;
antecipação de férias individuais, notificando o trabalhador com antecedência mínima de 48 horas;
concessão de férias coletivas, sem necessidade de comunicação aos sindicatos da categoria;
antecipação e aproveitamento de feriados para compensar saldo em banco de horas;
compensação de jornada, por meio de banco de horas, em caso de interrupção das atividades – compensação poderá ser feita em até 18 meses, a partir do encerramento da calamidade pública, com prorrogação de jornada em até 2 horas, que não poderá exceder 10 horas diárias;
suspensão da obrigatoriedade de realização dos exames médicos ocupacionais, clínicos e complementares, exceto de exames demissionais;
suspensão do recolhimento do FGTS pelos empregadores, referente aos meses de março, abril e maio, com vencimento em abril, maio e junho, respectivamente, podendo ser pagos pelo empregador sem juros e multa a partir de julho em 6 parcelas;
suspensão de férias para trabalhadores da área de saúde e de serviços considerados essenciais;
suspensão por 6 meses dos prazos nos processos administrativos que tratam de infração decorrente de não recolhimento de FGTS;
casos de contaminação pelo novo coronavírus não serão considerados ocupacionais, exceto se for comprovado que tenha relação com o trabalho;
auditores fiscais do trabalho do Ministério da Economia atuarão apenas de maneira orientadora durante um período de 6 meses, exceto em situações como falta de registro de empregado, acidente de trabalho fatal ou trabalho escravo ou infantil.
Confira abaixo o tira-dúvidas respondido pelos advogados trabalhistas Fernando Almeida Prado, sócio do BFAP Advogados, Milena Pinheiro e Erica Coutinho, sócias do Mauro Menezes & Advogados, Renato Tardioli, sócio do escritório Tardioli Lima Advogados, e Ruslan Stuchi, sócio do escritório Stuchi Advogados: Todas as medidas trabalhistas previstas na MP precisam de acordo entre o empregado e o empregador para entrarem em vigor? De acordo com Milena Pinheiro, nem todas as medidas previstas na MP dependem de concordância do empregado.
Por exemplo, a alteração do regime de trabalho presencial para teletrabalho poderá ser efetuada a critério do empregador, bastando o aviso com antecedência mínima de 48 horas. A instituição de banco de horas também independe de concordância do empregado.
"De todo o modo, com a sujeição ao acordo individual de trabalho, e não a acordo coletivo, sem amparo das entidades sindicais, os trabalhadores podem se ver coagidos a concordar com as propostas de seus empregadores como forma de preservar seus postos de trabalho", comenta. Se o empregado não concordar com as medidas, o que acontece? Segundo Renato Tardioli, o funcionário não pode se recusar a aceitar as determinações que venham do empregador, que tem o poder de direção do negócio e prerrogativa de tomar as decisões.
Fernando Almeida Prado ressalta que, em caso de coação do funcionário, os atos podem ser invalidados na Justiça, até se houver demissão, caso o trabalhador não aceite as condições impostas pela empresa. Esse acordo individual pode passar por cima dos acordos coletivos? Os sindicatos poderão tentar reverter isso na Justiça? Que direitos a Constituição ainda resguarda em meio a essas medidas? Segundo Prado, os acordos firmados de forma individual prevalecerão sobre os acordos coletivos. Embora os sindicatos possam tentar a reversão da situação junto ao Judiciário, ele considera remotas as chances de invalidação das medidas adotadas, considerado o estado de calamidade pública, salvo se houver desrespeito à Constituição. Para Milena Pinheiro, os sindicatos devem tentar reverter os acordos na Justiça. “As alterações prejudiciais via acordo individual não são amparadas pelo nosso ordenamento constitucional trabalhista, que reconhece como direitos dos trabalhadores aqueles que 'visem à melhoria de sua condição social', o que não é o caso das previsões da MP. Além disso, a Constituição prevê que são direitos dos trabalhadores 'o reconhecimento dos acordos e convenções coletivas de trabalho' e até admite redução salarial e flexibilização de jornada, mas mediante negociação coletiva”, explica.
Para a advogada, "não se pode colocar frente a frente um trabalhador, individualmente, e um empregador, que detém, nessa relação, o poder econômico, sob pena de desequilíbrio inconstitucional da relação de trabalho".
O que muda em relação ao home office?
De acordo com Ruslan Stuchi, a medida provisória permite que a modalidade de teletrabalho não precise de contrato entre as partes. Assim, o empregador apenas deverá informar e não precisa de autorização do empregado para implantar essa forma de trabalho.
Como regra geral, o home office não implica em controle de jornada. A exceção é quando existe previsão expressa e em sentido contrário por meio de acordo ou convenção coletiva, ressalta Prado.
Milena Pinheiro esclarece que, em caso de os trabalhadores terem sua jornada de trabalho efetivamente controlada, poderão ter direito a horas extras.
Como ficam as férias?
De acordo com Ruslan, a CLT prevê que o empregador deve avisar com antecedência mínima de 30 dias o empregado sobre o período de gozo das férias. Com a MP, o período foi reduzido para 48 horas. O pagamento das férias poderá ser até o quinto dia útil do mês subsequente e o pagamento do 1/3 poderá ser realizado até o pagamento do 13ª salário.
De acordo com Fernando Almeida Prado, está permitida ainda a concessão de férias não adquiridas (“futuras”). Um empregado que tem 6 meses de empresa e, portanto, direito adquirido a somente 15 dias, poderá ter férias de 30 dias. Depois de um ano de empresa, o empregado não terá direito às novas férias, que já foram gozadas integralmente.
Os trabalhadores que pertençam ao grupo de risco para o novo coronavírus (Covid-19) serão priorizados para o gozo de férias, individuais ou coletivas. Entram nesse grupo os idosos, diabéticos, hipertensos, portadores de insuficiência renal crônica, doença respiratória crônica ou doença cardiovascular.
Usualmente as férias devem ser pagas até 48 horas antes de seu início. Com a MP, a empresa poderá efetuar o pagamento das férias no quinto dia útil do mês posterior (mesmo dia em que o empregado receberia o salário correspondente se tivesse trabalhado).
Caso o empregado tenha férias e ainda assim seja dispensado, a empresa deverá pagar as férias junto com a rescisão, e não somente no quinto dia útil do mês subsequente às férias. Nessa hipótese, o pagamento relativo às férias vencidas e proporcionais, deve ser realizado em até 10 dias após o comunicado da dispensa.
Como fica a antecipação dos feriados?
Érica Coutinho explica que o aproveitamento dos feriados religiosos, como Natal, Páscoa e Corpus Christi, dependerá da concordância do empregado em acordo individual escrito. Os feriados não religiosos poderão ser adiantados pelos empregadores, de forma unilateral, bastando a notificação por escrito destinada ao empregado e indicação discriminada dos feriados aproveitados.
O que muda em relação ao banco de horas?
A MP alterou o prazo para ser compensado ou usufruído, sendo estendido de 6 meses para 18 meses, lembrando que o tempo que o empregado trabalhará na compensação não poderá ser superior a 2 horas diárias, sob pena de invalidade do banco de horas, sendo que este acordo poderá ser feito de forma individual entre as partes, não necessitando de acordo coletivo com o sindicato, explica Ruslan.
Vou deixar de receber meu FGTS?
Não, o pagamento do FGTS poderá ser adiado. Assim, o recolhimento do FGTS de competência de março, abril, maio serão suspensos podendo ser pagos pelo empregador sem juros e multa a partir de julho, em 6 parcelas, explica Ruslan.
Érica Coutinho ressalta que o prazo prescricional para cobrança de valores referentes ao FGTS é de cinco anos. A MP suspende o prazo por 120 dias. Isso significa que fica postergado o prazo final para que se reclame depósitos de valores na conta vinculada. A intenção é que, durante o período de pandemia, não haja corrida ao Judiciário para buscar pagamento dos valores.
A MP determina que a Covid-19 não é doença ocupacional. Qual a consequência disso?
Segundo Érica Coutinho, a principal consequência é que o ônus de comprovação de que a Covid-19 decorreu das atividades do trabalho ficará inteiramente a cargo do empregado. “Ele deverá provar que adoeceu por causa de conduta empresarial, o que é especialmente difícil em tempos de pandemia. Ao afastar a caracterização da doença como ocupacional, a MP mitiga, por exemplo, condutas empresariais negligentes”, diz.
Ela cita como medidas negligentes o não afastamento de grupo de risco das atividades, a ausência de adoção de medidas capazes de garantir maior higienização das mãos e dos locais de trabalho e a dispensa de empregados que apresentam sintomas da Covid-19.
Para Prado, tal presunção pode ser derrubada caso se comprove a vinculação da doença com o trabalho, como por exemplo o profissional da saúde que comprove ter trabalhado em contato com doentes.
Segundo ele, na hipótese de comprovação de que o contágio ocorreu dentro das dependências da empresa e por negligência dela, é possível a responsabilização do empregador pelos danos causados e a obrigação em estabilidade no emprego por 12 meses após o retorno do empregado às atividades. Temporários, rurais e domésticos também serão afetados? Segundo Prado, a medida provisória será aplicada para os contratos de trabalho temporários, de trabalhadores rurais e domésticos, dentro da razoabilidade e possibilidade de continuidade da prestação de serviços, já que, para as duas últimas modalidades contratuais, não é possível o desenvolvimento das atividades de forma remota. Para os trabalhadores domésticos, a prática se limita à possibilidade de compensação da jornada de trabalho após instituição de banco de horas e concessão de férias individuais.
Fonte: Marta Cavallini, G1
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